Fabio Akita Report

Às vezes filosofando, às vezes sendo pragmático. Por vezes duro e severo, outras mais diplomático. Eventualmente vendendo, eventualmente realizando. Assim é a vida de um consultor em sistemas de informática de grandes empresas. De esquina em esquina, ouvimos histórias interessantes. Não sei se são interessantes, mas vou reportá-las, mesmo assim.

terça-feira, novembro 29, 2005

Evolucionistas VS Criacionistas e a Navalha de Occam

Um assunto tem gerado muita polêmica ultimamente. Na realidade, muito mais polêmica do que eu admitiria como aceitável. Imagino que dentro de 10 anos vamos olhar para esse fato na história e dar gargalhadas ao redor de uma mesa de bar, tomando um chope gelado ao fim da tarde.

O assunto é a atual disputa entre criacionistas e evolucionistas nos Estados Unidos, a maior potência econômica e militar mundial e também um país onde metade de sua população é formada por católicos fervorosos.

Hoje mesmo li uma matéria sobre um casal processando a Universidade California-Berkeley por causa de um website explicando o evolucionismo. Eles acusam que um projeto custeado com dinheiro público esteja em desacordo com as idéias de "Design Inteligente", ou seja, do Criador. Vejam o absurdo neste link.

O conceito é muito simples: para os católicos o mundo foi criado segundo a Gênese: "em sete dias, Deus criou o céu e a Terra … e criou o Homem à sua imagem", bla bla bla. Excelente fantasia para crianças, tão inocente e deslumbrante quanto C.S. Lewis com seu "Crônicas de Nárnia" ou mesmo J.R.R. Tolkien e seu "Lord of the Rings". Um mundo surreal, com suas próprias leis e criaturas fantásticas. Mas uma coisa é uma literatura interessante, outra coisa é querer achar que algum dia falamos no dialeto Quênia dos Elfos.

Os antigos eram sábios. Apesar de muitos pensamentos equivocados criaram tecnologia, filosofia e literatura como jamais vista. Há milênios os hindus, os gregos, os incas e outros grandes povos já estudavam e entendiam o Cosmos. Graças aos movimentos políticos que ganharam força por causa do misticismo das religiões, retrocedemos alguns milênios durante a Idade Média e a histérica Inquisição. Queimamos a Biblioteca de Alexandria, acusamos Kepler, Copérnico, Galileo e tantos outros verdadeiros gênios.

O cérebro humano é a maior conquista de nossa evolução, o divisor de águas entre nós e os primatas. Porém o cérebro é um órgão muito frágil, sensível a qualquer tipo de idéia. Nós imaginamos mundos como se existissem, imaginamos eventos como se fossem verdades e o cérebro não é tão disciplinado a questionar novas idéias: ele as aceita com muita facilidade. Graças a esse defeito genético, que a evolução ainda não pôde consertar, geramos os sacerdotes, os políticos, os corruptos, que se aproveitam da ignorância dos povos para conquistá-los e, mais importante, controlá-los.

Li certa vez, não lembro bem onde, que a primeira coisa que um conquistador deve fazer ao invadir um povo é controlar sua cultura. Acho que era justamente por isso que o Império Romano se alastrou por tão longe por tanto tempo: invada os povos, estabeleça uma administração local, obrigue todos a falar Latin e a reverenciar o Imperador. A Igreja Apostólica Romana foi uma grande arma de conquista dos povos outrora e gerador de caos hoje: veja só o Paquistão, a Caxemira, Israel.

A Bíblia, este produto de literatura que perdura tantos séculos, talvez o maior expoente cultural de todos os tempos e a ao mesmo tempo a maior falácia a que a humanidade foi submetida. Todos sabem o que é, mas ninguém questiona quem o escreveu, nem de onde veio ou quando. A maioria praticamente aceita que Deus escreveu suas linhas diretamente.

Poucos entendem que milhares de anos antes de Cristo, como hoje, os povos tinham suas lendas, mitos e contos populares. Com o comércio entre os países, fenícios, babilônicos, egípcios misturaram suas culturas e suas crenças. Contos eram passados no boca a boca, por centenas de anos. Qualquer um que frequentou uma escola primária brincou de telefone sem fio: a professora diz baixo uma frase na orelha de um aluno e ele repassa da mesma forma ao colega ao lado, até o último aluno da última fileira. Quando esse aluno diz em voz alta a todos o que ouviu, é possível ver como a história mudou radicalmente. Acrescente milhares de pessoas, milhares de anos e centenas de fábulas.

É exatamente o que aconteceu com os contos da Bíblia. Antes de chegar aos hebreus, já era uma miscelânea de contos, até os primeiros manuscritos gerarem o Torá, o nosso atual "Antigo Testamento". Mais do que isso: não havia máquinas de impressão, portanto todas as cópias eram feitas manualmente, à deriva de interpretação dos copistas.

Mais ainda, quando traduzida do hebreu para o grego, do grego para o romano, mais mudanças de interpretação. Depois dos eventos de Jesus, Roma, a suposta cruxificação, a suposta ressurreição e outros delírios, quando a Igreja se tornou forte, quando Constantino se converteu ao catolicismo lá por volta de 1.400 é que a Bíblia começou a tomar sua forma atual. O Império escolhia a dedo que textos se tornariam cânons e quais seriam unilateralmente considerados apócrifos. Dessa escolha burocrática e política de comitê, surgia a compilação atual da Bíblia, com os quatro conhecidos evangelhos -- mesmo eles, sem uma autoria única, mas um compilado de diversos textos como análises já demonstraram.

A atual massa popular católica nem imagina que neste século já descobrimos os Manuscritos do Mar Morto, os Evangelhos Apócrifos de Nag Hammadi, representando uma parcela grande de textos que não encontraram espaço dentro da Bíblia politicamente costurada pela Igreja da época.

Na atualidade ainda fizemos mais mudanças quando no Iluminismo, Martinho Lutero pegou versões mais antigas -- não me recordo agora se em hebreu ou em grego -- e as traduziu ao francês, gerando a vertente do protestantismo, com uma Bíblia diferente dos católicos.

Tudo isso mostra alguns milênios de um emaranhado de textos que foram modificados por um sem número de escritores anônimos. Se havia alguma verdade nesses mitos, eles foram completamente distorcidos pelo tempo e pela interpretação de pessoas preconceituosas. Mesmo se pegarmos duas Bíblias hoje, elas terão diversos trechos divergentes entre si.

Por outro lado, felizmente tivemos o fim da Idade Média, o Renascentismo e a retomada do pensamento que parou na época dos gregos de Alexandria, séculos antes. Uma nova geração de pensadores voltou às raízes e ao questionamento saudável que resultou em toda a tecnologia que temos hoje e que ainda alcançaremos no futuro. Leonardo Da Vinci, Sir. Isaac Newton são alguns bons exemplos dessa recém-nascida geração. Robert Goddard, Albert Einstein, Stephen Hawking são bons exemplos da nossa geração.

Mesmo assim, uma parcela significativa da população parece preferir a Idade Média, a Era das Trevas. "Ignorance is Bliss", já diziam alguns. Charles Darwin sentiu isso na pele, um corajoso teólogo que fez deduções impressionantes e que continuam atuais até hoje: de que todos os seres vivos do planeta estão em constante mudança e evolução. Que espécies nascem e se extinguem. Que todos tem uma origem em comum, há milhões de anos. Essas descobertas feitas no século XIX foram provadas no século XX com a descoberta de fósseis antigos, dos nossos ancestrais diretos como o Australopitecus, Homem de Neanderthal e dos dinossauros que nos precederam antes da Era do Gelo.

Já derrubamos praticamente todos os dogmas da Igreja, formulados há milhares de anos. Graças a esse pensamento construtivo e evolutivo, chegamos à Lua, enviamos sondas com rotas para fora do nosso Sistema Solar. E, mesmo assim, essa parcela grande da população prefere pensar que tudo é obra de Deus.

E chegamos ao ponto da polêmica: Criacionistas VS Evolucionistas. Eu diria que a disputa é mais antiga e mais ampla. Eu preferiria dizer: Ignorância VS Razão. Qual é uma das questões fundamentais que a ciência ainda não teve tempo de descobrir? Entendemos que "pode" ter havido um Big Bang que deu origem ao Universo conhecido, mas não sabemos o que havia antes desse instante fundamental. "Deus existia", diria um católico. Pois bem, eu deveria devolver: "e o que havia antes de Deus"? "Deus sempre existiu", replicaria o católico. Pois bem, então eu diria, "se a explicação é que Deus sempre existia, por que não economizar um passo e simplesmente dizer que o Universo sempre existia"? Por que a necessidade de um criador, de um designer?

A Navalha de Occam não serve para explicar isso diretamente mas seu conceito é importante, vejam nesse link. Dentre as várias interpretações, podemos dizer "dentre duas teorias igualmente explicativas, a mais simples é preferível" ou, como Leonardo Da Vinci diria, "Simplicidade é a maior forma de Sofisticação".

Ao fim disso, o que mais me incomoda nessa discussão toda é que as versões da Igreja e da religião em geral sempre levam à acomodação das pessoas. Sempre é mais simples explicar os eventos como "é assim porque Deus quis". Ponto final. Se é assim, não precisamos buscar mais explicações. Ou pior, "acontecerá, se Deus quiser". Significa que devemos colocar nossos traseiros na cadeira e esperar sentados pois somente se Deus quiser acontecerá, e não precisamos fazer nada para que aconteça. Ou o que mais me deixa irritado, "deu certo, graças a Deus". Quer dizer, não há valor no esforço dos homens porque no final as coisas só acontecerão se Deus quiser.

Pior ainda: os americanos -- e por inércia, muitos outros povos no mundo, incluindo o nosso no Brasil -- estão tentando forçar a próxima geração a pensar menos, a se esforçar menos, a se conformar mais. Querem forçar a volta da Idade Média. Crentes, evangélicos, católicos, protestantes, para que tudo isso? Se existe necessidade de uma religião, fiquemos com apenas uma, a religião da Ciência. Uma religião que incentiva o pensamento crítico, que premia o esforço individual, que não aceita afirmações infundadas, que questiona e busca evidências, que nos leva no caminho evolutivo darwinista do mais forte.

Shame on you.

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