Fabio Akita Report

Às vezes filosofando, às vezes sendo pragmático. Por vezes duro e severo, outras mais diplomático. Eventualmente vendendo, eventualmente realizando. Assim é a vida de um consultor em sistemas de informática de grandes empresas. De esquina em esquina, ouvimos histórias interessantes. Não sei se são interessantes, mas vou reportá-las, mesmo assim.

domingo, novembro 20, 2005

Information Overload

Eu leio muito, talvez menos do que gostaria. Mesmo assim as pessoas às vezes se impressionam com o pouco que sei. Como tenho consciência da minha própria ignorância, como Sócrates, só posso dizer que "só sei que nada sei".

Ontem mesmo, saí para tomar uma cerveja com alguns amigos do trabalho. Conversa que pulou pro lado técnico, já que somos todos consultores discutindo tecnologia. A conversa desviou para alguns assuntos do "arco da velha" já que ele era mais velho do que eu e estávamos voltando no tempo até anos 60 e 70.

É engraçado lembrar que comecei a gostar de computadores brincando com o MSX Hotbit do meu primo, isso lá para o meio da década de 80. Meu primeiro computador, ganhei do meu pai lá para 1989 ou 90, um PC-XT de 1Mb de RAM (pense hoje num computador de 1Gb de RAM) e um winchester (como chamávamos os HDs antes) de incríveis 20Mb (pense hoje em 200Gb). Tudo que tinha como programas eram o MS-DOS 3.3 e o dBase III Plus que meu tio instalara para mim. Minha diversão era aprender dBase.

Com o tempo pulei para o Clipper. Fiz vários programas comerciais até os 15 anos. Eu era bem limitado nessa época. Não tínhamos internet, tudo que sabia era o pouco que eu lia em revistas como Micro Sistemas e os poucos livros que podia comprar. Enfim, em 1995 entrei na faculdade, no Instituto de Matemática e Estatística da USP. Aprendi muito sobre Pascal, com o bom e velho Turbo Pascal 7.

Finalmente, consegui um bico como monitor da sala de computadores do CCE, na Politécnica. Foi onde tive meus primeiros contatos com a internet, passeando pelos backbones da Fapesp, fazendo downloads dos servidores FTP da Unicamp. Antes disso, o máximo que já havia experimentado eram as BBS, entre 1992 e 1994, com nossos velhos modens de 1200 e depois 9600bps. Modems de 14.400bps eram nossa ¨banda larga".

Na faculdade foi onde finalmente tive mais contato com a informação que me faltava. Aprimorei meu Pascal, depois Object Pascal. Conheci o Java baixando dos servidores da Unicamp antes ainda da versão 1.0, quando era conhecido pelo seu codinome ¨Oak". Ainda não entendia nada de orientação a objeto. Finalmente, deixei o Clipper de lado.

Comecei a aprender muito rápido. A partir de 1996, pude fazer parte da maior revolução de todos os tempos: a Internet. Na época tínhamos o Yahoo!, AOL, até mesmo a Amazon começava a dar seus primeiros passos, permitindo que pudéssemos ter acesso a diversos livros que hoje encontramos facilmente nas maiores livrarias. Gastei muito do pouco dinheiro que ganhava comprando livros.

Lembro até mesmo que antes da faculdade só havia lido alguns poucos livros de informática e todos em português. O inglês me intimidava. Escrevi antes que fizera um curso ruim durante o colégio, e nunca me aprimorara. Então, comecei a conhecer pessoas na faculdade que liam livros importados com a facilidade que um cidadão comum lê o jornal. Isso despertou inveja em mim (sou uma pessoa muito invejosa): "se eles podem, também posso". Fiz o mesmo: aprimorei meu inglês literalmente on-demand. Foi importante porque tudo na internet foi, é e sempre será em inglês.

Resolvi aprender de tudo, pulei do Turbo Pascal para Delphi, trabalhei em produtoras Web em pleno nascimento do fenômeno que alguns anos depois conheceríamos como a "Bolha da Internet". A Macromedia estava começando a atualizar suas ferramentas, o Flash acabara de ser inventado, o Director estava sendo atualizado com tecnologia Shockwave. Marc Andressen já tinha seu Netscape 2 famoso. HTML, Dreamweaver, Photoshop, programação Lingo no Director, ActionScript no Flash, Javascript, VBScript, queria aprender de tudo.

Desenvolvi tudo que podia dentro dessas limitações e logo me deparei com o mundo server-side. Fui trabalhar com SQL Server 6.5, ASP 2.0. Desenvolvi sistemas corporativos do zero nos paradigmas do thin-client, server-side, ou front-end web para bancos de dados. Desenvolvi portais internacionais, componentização, ferramentas de gerenciamento de conteúdo.

Nesse tempo todo, assimilava todas as novidades, mas sempre me lembrava da época que ainda nem tinha um computador, nos saudosos fins dos anos 80. Nessa época comprei uma curiosa revista da Disney (que infelizmente não encontro mais), onde diversos personagens como Pardal, Pateta, prof. Ludovico e outros explicavam a história do computador. Foi uma coisa inusitada, uma revista infantil apresentando detalhes tão fascinantes como Charles Babbage e seu Engenho Diferencial de 1822, Alan Turing, Blaise Pascal e sua Pascalina, o ENIAC. Tudo mesmo, desde a contagem com os dedos, pedrinhas, até cartões perfurados, mainframes e culminando com o microcomputador doméstico.

Havia vários encartes sobre o que de mais avançado havia naquela época: o primeiro Macintosh. Lembro até da propaganda do clone brasileiro do Mac, o Unitron. Havia meus sonhos de consumo como o outro brasileiro CP-500 ou mesmo o moderníssimo Gradiente MSX. De qualquer forma, a história do computador, por alguma razão, sempre me fascinou.

Então, quando tive acesso à informação online, com Yahoo!, Webcrawler e outros tantos índices, sempre retornava às raízes. A História do DOS, a História do Windows, a História do Macintosh, a História das Linguagens de Programação, a História dos Sistemas Operacionais, a História da Criptografia, a História da Internet. Até hoje leio, releio e aprendo cada vez mais coisas interessantes.

Um fato curioso é que aqueles que tiveram a chance de viver a década de 70, pôde trabalhar nos mainframes como COBOL, tiveram que fazer programas em Fortran nos cartões perfurados, têm grande dificuldade em entender a linha evolucionária e tantas novidades como HTML, Java, ASP, Windows. Por outro lado, todos os moleques que atualmente costumam ser defensores (eu diria, ¨rebeldes sem causa") do Linux e do Java, não tem muita idéia do que era um mainframe, de onde surgiu o Java, de porque Linus Torvalds criou o Linux. Eles tendem a "acreditar" que Java sempre existiu e sempre continuará existindo, sem associar a evolução das coisas.

Estamos vivendo ainda na infância da informática como um todo. O campo da engenharia têm milênios (lembram das pirâmides?), o campo da informática mal tem 50 anos. Frederick Brooks já escrevera na década de 60 sobre "The Mythical Man Month", mas 30 anos depois continuamos a realizar os mesmos erros dos desbravadores que originalmente escreveram o OS 360. Tecnologias nasceram, ganharam fama e morreram. Quem se lembra do CICS? Cobol? Fortran? Cartão Perfurado? O Java está hoje, com 10 anos, no meio de sua vida útil, inclusive há aqueles como Bruce Tate que já profetizam seu breve fim.

A maioria das pessoas parece ignorar que estamos numa época que já fora batizado de "Era da Informação", e não ao acaso. Quero chegar ao ponto onde, independente se estamos falando de tecnologia, política, filosofia, psicologia, as pessoas sempre têm opiniões (que acreditam ser sempre verdade) sem ter o mínimo de conhecimento necessário para tecer tal opinião. E não falo apenas das pessoas de baixa renda. Olho ao redor, revejo presente e passado e vejo um grande desrespeito pelos criadores da linguagem escrita, o que pensaria Gutemberg se visse o desdém com que encaramos essa quantidade enorme e rica de informações presentes e passadas?

Alguns séculos atrás, queimamos a Biblioteca de Alexandria. Hoje simplesmente ignoramos nossa própria Alexandria Digital, erguida com tanto custo. E não apenas as pessoas lêem e se instruem pouco. Muitas delas ainda desperdiçam nosso pouco tempo de vida lendo inutilidades, futilidades. É mil vezes pior envenenar a próprio mente com essas leituras de tal ridícula qualidade do que não ler nada.

Criaram um termo chamado "Information Overload", algum tempo atrás, nem sei se ainda é usada. Um dos efeitos dessa quantidade massiva de informações e velocidade cada vez mais acelerada de mudanças, algumas pessoas apresentam sintomas como ansiedade, estresse e até mesmo "Information Fatigue Symdrome". Mas vou além e digo que mais da metada de toda essa informação "exagerada" consumida diariamente não passa de informação descartável: as últimas opiniões sobre o futebol, as últimas fofocas das celebridades, etc.

Ontem mesmo, um amigo meu contou que quando mandaram uma consultora embora de uma empresa, vasculharam seu micro. Ela era uma viciada em chat via MSN Messenger. Com os históricos, chegaram à conclusão que do total de 3 anos de trabalhos, ela gastara o equivalente a 2 anos só em conversas pela internet. Isso é, de fato, "Information Overload", mas acho que mudaria esse termo para "Junk Overload".

No fim da conversa, meu amigo achou intrigante que eu conhecesse coisas como Haskell, Eiffel, Bertrand Meyer. É claro que sei, apesar de não ensinarem essas coisas na faculdade, posso dizer que procuro manter uma pesquisa e leitura de boa qualidade. O que o intrigou, imagino, foi justamente essa percepção que todos nós temos que assuntos como esse -- que não são ensinados, que não são populares -- simplesmente não são aprendidos mesmo por pessoas de um ramo que deveria, por obrigação, conhecer suas raízes. Em tempo: Bertrand Meyer é o criador da linguagem orientada a objetos, Eiffel. Seus trabalhos são referência no mundo da programação, inspirando até mesmo os criadores do Java. Porém, pergunte isso a qualquer graduando de faculdades de informática. Garanto que todos os programadores sabem muito bem a história de um Ronaldinho Gaúcho, mas não tem nem idéia da história daquilo que estão se propondo a trabalhar.

Isso é bastante depressivo e mesmo depreciativo para meu ramo. Não sei como é nos outros países mas acredito não ser muito diferente. Deve ser por isso mesmo que nosso país, desde a criação da Internet, não tenha contribuído com absolutamente nada relevante ao desenvolvimento das tecnologias da Internet. A única coisa que o brasileiro sabe fazer é congestionar os servidores do Orkut, já que 70% de seus usuários são tupiniquins, que não tem outra ocupação na nossa Alexandria Digital senão desperdiçar tempo com futilidades. Como podem ver, nós sempre ficamos no topo dos rankings desfavoráveis, ou vocês acham que ser 70% do Orkut é motivo de orgulho para alguma coisa?

Shame on you.

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