Fabio Akita Report

Às vezes filosofando, às vezes sendo pragmático. Por vezes duro e severo, outras mais diplomático. Eventualmente vendendo, eventualmente realizando. Assim é a vida de um consultor em sistemas de informática de grandes empresas. De esquina em esquina, ouvimos histórias interessantes. Não sei se são interessantes, mas vou reportá-las, mesmo assim.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Educação no Brasil

Ouvi na rádio hoje uma afirmativa de um ex-ministro da Educação, se não me engano, que me fez pensar. A matéria girava em torno da afirmação de que a participação do estado no ensino fundamental e médio aumentou numa proporsão inversa à da participação no ensino superior, hoje largamente explorada pela iniciativa privada. Por causa dos esforços do governo na fundação do ensino, aumentou a demanda de pessoas precisando de ensino superior numa taxa maior do que o ensino público poderia suprir, portanto, abrindo oportunidade para empresas privadas.

Não faz sentido. Penso de outra forma: existe negligência generalizada do estado em todas as etapas do ensino, desde o fundamental até o superior. Explorando o problema do ensino superior vejo da seguinte forma: o mercado cada vez mais exige uma mão de obra especializada -- que no RH das empresas significa pré-requisito mínimo de diploma universitário. Por outro lado a qualidade do ensino fundamental e médio público vêm caindo vertiginosamente, derrubando quaisquer chances de estudantes de colégios públicos a concorrer nas melhores universidades públicas como a USP, Unicamp ou outras Federais ou Estaduais. Por causa disso, as empresas privadas colocaram no mercado produtos de extrema baixa qualidade onde qualquer um consegue passar.

Veja o vestibular da Fuvest, um dos mais difíceis do país. A falta de investimentos derruba cada vez mais a oferta de vagas e a pressão do mercado exige cada vez mais formados. Isso eleva a dificuldade da prova a cada ano. Lembro em 1994, quando estudei no Objetivo, preparatório para esse tipo de vestibular. Felizmente tive condições para frequentar aulas direcionadas em passar alunos na Fuvest, no ITA e nas outras grandes, estudando 8 horas diárias e ininterruptas. Obviamente, com a qualidade do estudo que tive, pude passar em 3 faculdades que escolhi, todas em primeira opção. Fiquei com a USP. E ainda assim, lembro que não passei com muita folga na nota.

Por outro lado, 2 anos atrás, por diversão, resolvi tentar o vestibular da faculdade Anhembi-Morumbi. Lembro que marquei para um sábado de manhã. Na noite anterior de sexta participei de 3 baladas até a madrugada, com muita música, muita bebida. Não fiz nenhum esforço de preparação, não passei horas estudando, absolutamente nada. Fiz a prova com tranquilidade, acabando muito antes do tempo mínimo e passei sem problemas. Isso ilustra bem uma coisa que comentamos a boca pequena: basta passar o RG por baixo da porta e você já está matriculado. E é fácil explicar isso: com uma oferta crescente de vagas do ensino superior dessas instituições de baixa qualidade faz o vestibular ser extremamente fácil, com notas de corte ridículas. O objetivo de um vestibular é filtrar os estudantes, onde a oferta é muito menor do que a procura. No caso do ensino superior, imagino que haja muito mais oferta do que procura. Nem precisaria haver vestibular: há vagas para todos. O vestibular, nesse caso, é meramente de aparência.

Nesse assunto, lembro também de outro assunto que correu na imprensa há alguns meses: a tal da cota para negros e outras classes menos privilegiadas. Se não me engano, a idéia era reservar uma cota das já escassas vagas das universidades públicas para essa população mais carente. De longe, uma das idéias mais absurdas que já tive o desprazer de ouvir. O governo quer, artificialmente, colocar pessoas sem nenhum preparo para desperdiçar as poucas boas cadeiras das faculdades. Devo lembrar que essas faculdades são boas, muito boas, e como tal tem um nível de exigência muito grande também. As pessoas precisam se dedicar praticamente tempo integral ao curso, comprar bons livros, bons materiais. A faculdade não dá material. Lembro até no começo de uma das aulas onde o professor recomendava livros em espanhol e alemão! Me diga onde essas pessoas de classes menos privilegiadas vão tirar conhecimento para acessar literatura estrangeira, ter tempo para se dedicar aos estudos e à pesquisa? Pior ainda: como vão conseguir acompanhar aulas tão exigentes sem ter o mínimo requerido para isso? É justamente para isso que serve o vestibular: somente os que têm condições podem entrar.

Esse comentário faz parecer que sou um aristocrata das elites, que estou querendo elitizar os cursos, que não me importo pelas classes mais pobres, bla bla bla. Que tal olhar um palmo à frente do nariz: o fato dessas pessoas serem tão desqualificadas para acompanhar esses cursos não é culpa exclusiva deles, é sim culpa de um ensino fundamental e médio de qualidade inexistente. O fato é que o ensino médio público brasileiro é lamentável. Fosse o contrário, não precisaríamos estar discutindo gambiarras como essas "cotas".

Vocês sabem ler, vejam 3 exemplos famosos: o Japão após a derrota na Segunda Grande Guerra estava devastada. A Coréia do Sul nos anos 50 era pior do que o Brasil após as guerras civis. A Índia nem se fala, até hoje há regiões perigosas. Todos esses países, que há 20 ou 30 anos eram motivo de piada, hoje podem gargalhar abertamente de nós. Todas elas fizeram o básico que não fizemos: investimentos pesados e maciços em ensino público fundamental e médio de excelente qualidade. Não lembro se em todos esses países, o ensino superior é basicamente privado -- e de qualidade. A explicação é simples: com um ensino fundamental de excelente qualidade, não precisamos de "cotas". E pelo lado contrário: as empresas privadas se vêem obrigadas a oferecer cursos superiores de qualidade para estudantes exigentes. Vejam esse link.

O Governo não tem interesse em investir em educação: é um processo lento, demorado, que normalmente só dá frutos daqui 2 gerações. Resumindo: não vence as próximas eleições. É ordens de grandeza mais simples construir uma grande ponte e dizer que gera empregos de operários para algumas centenas de pessoas. O eleitorado compra imediatamente o candidato.  Resultado da sua ignorância. Ou seja: os políticos ganham duas vezes não investimento em educação, afinal é mais simples convencer um eleitorado burro. 90% da população é considerado analfabeta funcional (sabe-se ler o bê-a-bá mas não se consegue interpretar mais do que frases curtas e diretas, ou seja, não se consegue entender as sutilezas de uma explicação política sobre corrupção nos jornais).

Sinto isso na prática: é extremamente difícil contratar profissionais especializados de qualidade. As faculdades privadas têm um nível muito ruim, e gera graduados de nível ainda pior. Já contratei e mandei embora vários deles. O que fatalmente vai acontecer é o que já faço: ignoro completamente a formação superior do candidato, prefiro olhar exclusivamente para as experiências anteriores dele e decido sobre isso. Significa que dificilmente contrato um recém-formado, a menos que seja um pós-graduado da Unicamp.

Tecnologia é uma carreira das elites, não vai mudar. O estudante precisa ter tido os recursos, computador em casa, livros próprios. Caso contrário não serve para nosso mercado. E isso é culpa única e exclusiva do ENSINO PÚBLICO FUNDAMENTAL E MÉDIO de qualidade zero. Tivéssemos feito com a Índia e investido em educação 20 anos atrás, hoje seríamos como eles: a maior potência em desenvolvimento de software do mundo. Tivéssemos feito como a Coréia do Sul 20 anos atrás, hoje seríamos o maior pólo tecnológico do planeta, com as melhores tecnologias de telecomunicações, biotecnologia. Tivéssemos feito como o Japão 40 anos atrás, hoje poderíamos ser a segunda economia do planeta. Pensem: o Japão mal tem o tamanho físico do Rio de Janeiro, metade disso é vulcão ativo, a outra metade sofre com terremotos, maremotos, furacões. Além disso levaram 2 bombas atômicas e ainda assim são a segunda maior economia do planeta. Por outro lado o Brasil é um dos maiores territórios do mundo, com a maior floresta tropical do planeta, não temos terremoto, não temos maremoto, temos terra sobrando, e estamos misturados na lista das economias do mundo junto com os piores do mundo.

Tudo porque não fizemos o que deveríamos algumas décadas atrás e continuamos não fazendo. A culpa de tudo isso? Olhem-se no espelho: eis seu culpado. O problema do Brasil são os brasileiros. O problema não é deste governo, ou do anterior. Deste presidente ou do anterior. A culpa é de todo brasileiro.

Shame on you.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial